Neste terceiro artigo sobre estresse ambiental, vamos falar um pouco sobre como a planta se defende das doenças no campo. Afinal, esse é um grande desafio para qualquer produtor e que, se não manejado corretamente, traz significativos impactos na sua rentabilidade.
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No episódio anterior, falamos um pouco sobre os estresses bióticos, que são aqueles causados por pragas e doenças. Esse tipo de estresse é responsável por perdas em produtividade que podem chegar a 50%. E quando pensamos no setor de HF, esse impacto é ainda maior, já que as doenças interferem diretamente na qualidade do produto comercializado.
Para citar um outro exemplo: na cultura da soja, somente os custos destinados ao manejo da ferrugem asiática giram em torno de R$ 8 bilhões por safra, levando em conta o custo de aquisição do fungicida, o da operação de aplicação e ainda a redução da produtividade pela doença.
Bom, já deu para entender por que é tão importante falarmos sobre este assunto, né? Então, continue lendo e entenda mais sobre como a planta se defende em situações de estresse ambiental.
Estresse ambiental: o “triângulo da doença”
Que as doenças no campo podem reduzir a rentabilidade do produtor, todos nós já sabemos. Mas é importante entender também que o aparecimento dessas doenças depende da combinação de três fatores: um patógeno virulento, um ambiente favorável ao seu desenvolvimento e um hospedeiro suscetível.
Esses três fatores formam o que nós chamamos de “triângulo da doença”. No ambiente produtivo, quando temos esses três fatores ocorrendo simultaneamente, teremos a incidência das doenças. Vamos entender um pouco mais sobre eles.
O ambiente
O ambiente é caracterizado por fatores climáticos que atuam diretamente no processo da doença, como a umidade relativa, a radiação solar, a temperatura e até mesmo a concentração de CO2 e ozônio na atmosfera. É o que chamamos de estresse ambiental.
As incertezas, no longo prazo, quanto a esses fatores climáticos podem trazer efeitos sobre a distribuição espacial das doenças em diversas regiões. Ou seja, lugares que antes não eram afetados, podem passar a conviver com a presença de determinadas doenças. Inclusive, aquelas consideradas secundárias até então, podem apresentar danos mais significativos.
O impacto dessas incertezas ocorre de forma lenta, no médio a longo prazo. E isso aumenta ainda mais o desafio do produtor, já que ele tem pouca ou nenhuma ação direta sobre esse estresse ambiental.
Na verdade, em algumas situações até é possível minimizar os impactos, como por exemplo: a adoção de um plantio direto que no caso do algodoeiro reduz a incidência de ramulária; o ajuste de população de plantas no talhão e até a adoção de quebra-vento para a redução de incidência de phoma no cafeeiro. Porém, quando olhamos para o macroclima, não temos praticamente nenhuma ação direta.
Agora, vamos olhar para essa discussão a partir do ponto de vista do patógeno.
O patógeno
Como nós vimos anteriormente, nós temos pouco ou nenhum controle sobre o estresse ambiental no triângulo das doenças. No entanto, do lado do patógeno, nós temos algumas opções.
Quando pensamos em controle de doenças no campo, temos o uso de fungicidas como principal método explorado pelos produtores atualmente. E essa é uma ferramenta muito importante para garantir uma sanidade boa das lavouras. No entanto, é preciso tomar uma série de cuidados.
O primeiro deles diz respeito à resistência dos fungos frente aos princípios ativos dos fungicidas. Dentro de uma população de fungos, existe uma variabilidade genética muito grande e isso significa que, no campo, já existem aqueles indivíduos mais resistentes aos fungicidas. Sendo assim, com a aplicação ano a ano desses produtos, os indivíduos mais sensíveis vão sendo eliminados, ao passo que aqueles mais resistentes são selecionados. E esse processo é inevitável.
Qual a consequência disso no campo?
Em termos de controle de doença, há a diminuição da eficiência dos fungicidas ao longo das safras. Para alguns produtos, a eficácia de controle já vem caindo ano a ano. Ou seja, o fungo já está menos sensível aos efeitos destes produtos.
Além disso, vale lembrar que as doenças se desenvolvem da parte de baixo da planta para cima, começando no terço inferior e avançando para os terços médio e superior. Com o fechamento da entrelinha, forma-se o que chamamos de microclima, onde o terço inferior da planta apresenta melhores condições de umidade e temperatura para o desenvolvimento do fungo.
Portanto, temos que atingir o fungo que está “protegido” pelas próprias folhas da planta. E esse é justamente o desafio.
Em um trabalho desenvolvido na Universidade de Passo Fundo, após a aplicação de fungicida em soja no estádio R1, apenas 8% do total de gotas atingiram efetivamente o terço inferior das plantas. Essa menor quantidade de gotas atingindo as folhas do baixeiro resultou em uma cobertura foliar de somente 10%, bem abaixo dos 90% observados no terço superior.
Um outro aspecto a ser destacado sobre os fungicidas é a sua ação sistêmica nas plantas, isto é, a sua capacidade de serem absorvidos pelas folhas e translocados para outras partes que não receberam o produto de maneira satisfatório. No entanto, o que podemos analisar com a imagem abaixo é que os princípios ativos dos fungicidas sistêmicos apresentam baixa mobilidade no sentido basipetal. Ou seja, eles deixam desprotegido o baixeiro da planta, que por sua vez vai servir como porta de entrada para o estabelecimento dos patógenos na lavoura.
A planta
Bom, agora que já vimos como o estresse ambiental interfere na ocorrência da doença e como os fungicidas apresentam algumas limitações para o controle de patógenos, vamos entender de que forma a própria planta interage com o meio.
Por serem seres estáticos, as plantas desenvolveram uma série de mecanismos que a auxiliam a lidar com o ambiente, como já explicamos mais detalhadamente neste outro artigo.
Na figura abaixo, o gráfico da esquerda nos mostra, ao longo dos anos, como as cultivares de soja foram evoluindo para os atuais padrões de porte, duração de ciclo e os altos níveis de produtividade. Além de serem mais produtivas, as cultivares modernas apresentam também ciclo e porte menores. Por um lado, isso demonstra a sua elevada eficiência; por outro, uma alta sensibilidade a estresses abióticos e bióticos.
Nesse mesmo sentido, o gráfico da direita mostra a incidência de ferrugem em uma lavoura cafeeira, em plantas com carga alta (linha azul) e plantas com carga baixa (linha amarela).
A partir daí, observamos que a incidência de ferrugem é significativamente mais alta nas plantas com maior carga pendente. Isso evidencia que a partição de carboidratos nessa planta é destinada com maior força para atender a produtividade. Isso reforça ainda mais a necessidade de conhecer as estratégias da planta frente a estresses e auxiliar o seu desenvolvimento.
Estratégias
Uma das primeiras estratégias que podemos discutir é dificultar a penetração do patógeno no tecido da planta. Para isso, há a formação de barreiras físicas, como por exemplo a camada de cera e cutícula nas folhas, a estrutura da parede celular e a lignificação dos tecidos.
Neste ponto, devemos chamar a atenção para dois aspectos do manejo nutricional para auxiliar na construção de uma planta mais resistente:
- a relação de nitrogênio, cálcio e boro;
- a disponibilidade dos micronutrientes, que são responsáveis pela produção de lignina.
Além da barreira física, a planta adota outra estratégia que é criar uma barreira bioquímica para dificultar a vida do patógeno após sua penetração. Ela produz compostos tóxicos que reduzem o desenvolvimento do patógeno no tecido infectado. É aqui que uma série de enzimas do metabolismo secundário e antioxidante estão envolvidas no combate ao fungo.
Por fim, somada a essas duas estratégias, temos também a redução de substrato para o patógeno. Para o fungo se desenvolver, ele precisa colonizar os tecidos da planta e absorver nutrientes, como nitrogênio, aminoácidos e até os próprios açúcares livres do tecido. Sendo assim, quando tornamos a assimilação de nitrogênio mais eficiente e favorecemos o metabolismo de carboidratos na planta, reduzimos o acesso a esses “alimentos” pelo patógeno, comprometendo o seu desenvolvimento.
Indutores de resistência
Além da nutrição, também é possível explorar os chamados indutores de resistência. Esses produtos contêm moléculas que são reconhecidas pelas plantas e que as deixam em estado de alerta para futuras infecções de patógenos.
De maneira simples, seria como se a planta fosse avisada que ela pode ser atacada a qualquer momento. E o efeito disso que observamos na planta é uma resposta bem mais rápida e intensa contra o doença, ou seja, os seus mecanismos de defesa são maximizados.
Além disso, um outro benefício dos indutores é que eles são compatíveis com os fungicidas dentro de um manejo integrado. Enquanto um atua sobre o patógeno, o outro atua sobre a planta, gerando sinergia no controle da doença e, consequentemente, incremento em produtividade. É muito importante ressaltar que, por atuar sobre a planta, os indutores não selecionam populações resistentes de fungos, o que ajuda na preservação da eficácia dos defensivos por mais tempo.
Por fim, levando em consideração que o sistema de defesa das plantas funciona célula a célula, o tratamento com o indutor faz com que todas as partes do vegetal fiquem naquele estado de alerta que já citamos, inclusive o terço inferior, que é onde está nossa maior dificuldade de proteger atualmente.
Conclusão
Então, para concluirmos todo este raciocínio, fica a pergunta: como o foco na planta nos ajuda no manejo fitossanitário?
Primeiramente, as barreiras físicas que as plantas possuem são mecanismos que vão reduzir a entrada do patógeno.
Um segundo ponto é que, além de reduzirmos essa entrada, os compostos fenólicos e as enzimas de defesa da planta agem sobre os patógenos que já estão dentro do tecido, inibindo o seu crescimento e, portanto, diminuindo o tamanho das lesões nas folhas.
Somado a esses mecanismos de defesa, a redução da disponibilidade de nutrientes para os patógenos prejudica a sua reprodução, o que consequentemente nos leva ao último ponto, que é uma menor disseminação da doença dentro da lavoura. Ou seja, quanto menor o número de esporos produzidos pelo patógeno, menor será a disseminação dos mesmos para as plantas vizinhas.
E, assim, podemos interferir nas diversas fases do desenvolvimento da doença através dos mecanismos de defesa naturais das plantas.
Portanto, utilizar mais de uma ferramenta no manejo das doenças no campo é essencial para aumentar o nível de controle e, consequentemente, a produtividade e rentabilidade do produtor.
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